domingo, 18 de janeiro de 2015

A floresta amaldiçoada.





Na Floresta Negra habitam monstros, enfeitiçados e induzidos num coma assassino, esfomeados e devassos. Esta floresta em tempos foi habitada por homens que a destruíram e a tornaram num palácio de bruxos negros e druidas amaldiçoados. A inveja e a ganância disseminaram-se nos espíritos dos humanos tornando-os cegos, incapazes de travarem a sua malícia e força maldita.
Dois rapazes oriundos duma aldeia que vivia da agricultura e da criação de gado, um chamava-se Pedro e outro chamava-se Hugo. Eram dois miúdos espevitados, alegres, entusiastas, com vontade de descobrir o mundo que ouviam falar que possuía figuras mágicas e fantasistas. Um dia caminhavam na Floresta Negra e diziam um para o outro
“Fogo Pedro, dizem tanto desta Floresta e ainda não vi nada de transcendente “
… Resmungava Hugo desgostoso, mas de repente uma clareira de luz extasiou as retinas do Hugo e 

Pedro. Quando conseguiram abriram os olhos ainda titubeantes, uma ave branca, esvoaçante, de asas enormes e uns olhos esverdeados enormes, pairava por cima deles.
E uma fada montada em cima da ave gigante, com um cetro que emanava um feixe poderosíssimo de luz pura, perguntava firme, o que faziam ali 2 jovens, perdidos, entregues aos caprichos negros da Floresta.
Pedro dizia: “ Viemos cá tentar perceber se é verdade que existem monstros, dragões ou bruxos negros nesta tão densa floresta”
Hugo também dizia: “ Perdemo-nos nas horas, acha que devemos ir para casa?”
A Fada branca respondeu:

“ Isto é uma terra amaldiçoada pelo Bruxo Negro! Criou dragões furiosos, cobras esfomeadas e batedores que andam na Floresta a tentar descobrir quem entra cá, para ser sacrificado em prol da maldade do Bruxo! Eu vim em vosso socorro, do alto do meu céu, vi que 2 rapazinhos indefesos estavam a entrar na Floresta Negra, sem estarem cientes dos perigos. Tive de Intervir e agora vou-vos guiar de volta a casa”
Hugo e Pedro ficaram gelados, o medo entrou-lhes nas veias de forma quase automática, como uma descarga de temor que os desligava da realidade, fazendo-os entrar numa hipnose de paralisia e nervosismo. Num repente, Hugo é levado por um dragão que apareceu tão rápido como flui o pensamento humano, com as garras pegou em Hugo e levou-o para o Castelo da Desgraça.

A Fada Branca e Pedro ficaram inertes e mal acordaram do sucedido, já o pó assentara, a Fada pegou em Pedro e levou-o para o seu refúgio, onde estavam também alguns sábios, anciães, mestres e mágicos do bem, de magia branca, que refutavam a escuridão como o Diabo refuta a cruz. Ao saberem do sucedido, todos começaram a elaborar planos de resgate do rapaz entregue às garras malignas do sádico bruxo.

Mas tudo tinha quer ser feito com a maior calma, ponderação, perspicácia e eficácia. Pedro estava maravilhado. Aquele mundo fantástico que tanto tinha lido nos escritos do seu pai e que tanto o fizeram sonhar acordado, finalmente era verdade, era real. Estudou-se muito a melhor maneira de entrar no Castelo da Desgraça conhecido pelas suas armadilhas sangrentas, flechas ardentes, alçapões que nos faziam cair nas mais abjetas masmorras, um aroma nauseabundo que criava ardor nos olhos e nariz.

Foram dias e dias de ponderação e também criaram uma espécie de exército com cavaleiros que 
lutavam pela segurança dos mágicos. Homens valentes e destemidos, montados nos seus cavalos lusitanos, de grande porte, que numa madrugada, saíram devagarinho e silenciosos até ao Castelo, foram com disfarces para não serem reconhecidos. A Fada Branca e Pedro foram também nesse exército, mas vestidos de forma civil, com cores mortiças, para se misturarem com a Floresta Negra.
Pedro sussurrava à Fada: “ Fada, será que vamos conseguir resgatar o Hugo?”
A Fada disse, no seu tom baixo e adocicado, quase acariciando as palavras, “ Vamos tentar. Esta vai ser a última investida contra a maldição deste Castelo. Hoje acaba tudo.”
Finalmente chegaram aos portões do Castelo Negro, escuridão, som de berros e risos assustadores e aromas nauseabundos completavam um cocktail explosivo que rebentava na alma aparentemente destemida mas frágil como barro dos leais soldados e mágicos da comitiva.

Depressa tentaram entrar pelas traseiras do Castelo, sorrateiros, sem fazer barulho, foram entrando, ludibriando os guardas sanguinários, foram trepando, esmagados pelo barulho ensurdecedor vindo do interior das muralhas, os nervos tornaram-se de aço para que a força fosse de ferro, não podiam falhar!

Ao conseguirem penetrar na ala prisional do castelo, onde se encontrava Hugo, amarrado de mãos e pés, amordaçado e a compartilhar cela com aberrações e monstros, tentaram forçar a fechadura da cela, com pés de cabra e pontapés, mas devido à podridão, foi fácil arrombarem a entrada e soltarem Hugo.

Hugo só dizia: “ Obrigado por que tirarem deste inferno. Agora temos de matar o bruxo para acabar com a maldição”

A Fada Branca, Pedro e Hugo e alguns soldados correram desenfreadamente para a sala principal, 
dizimando a guarda que lhes aparecia pela frente, imbuídos num espírito de missão para acabar com esta maldição milenar que assombrava a Floresta e todos aqueles que nela habitavam.
Mal chegaram à sala principal, o Bruxo já criava feitiços para dizimar tudo e todos, num gesto de horripilante maldade, na sua bola de cristal, mas um raio de luz branca que emanava do cetro da Fada toldou-lhe a visão e quebrou o feitiço, Pedro num ato de loucura espetou uma adaga nas costas do bruxo, atingindo-lhe o pulmão esquerdo, onde o Bruxo tinha seu ponto fraco, dado que tinha sido esventrado há 100 anos atrás por um soldado do bem.

Esta adaga tinha sido purificada e revestida por uma magia benigna, criada na bondade e na lealdade que bombeava a alma da Fada, a cada irrigação transportada até ao seu coração. Um clarão duma luz, que de tão branca que era, ofuscava a retina de todos e abafou toda aquela homicida poluição kármica que infestava os corredores do Castelo Negro.  A Floresta Negra despiu-se do xaile negro que a cobria há milénios e tornou-se um paraíso, onde flores luxuriantes cresciam harmoniosamente, desabrochando lindas pétalas, rosadas e viçosas, a natureza exibia-se na sua plenitude depois de eras infindáveis de contraciclo permanente.

A Fada Branca levou Hugo e Pedro a verem os unicórnios, fadas, lagos cristalinos, montanhas azuis e brancas, puras como água, os dois meninos, sorriam, como sorri alguém que cumpre um sonho. 
Hugo dizia, maravilhado: “ Nossa! Isto é tão especial, tão limpo, tão calmo. Fantástico.”
Pedro retorquia, “ Assombroso… fogo!”
Então a Fada Branca fez-lhes uma proposta,

“ Meninos, como já entraram neste nosso mundo encantado, queria propor-vos ficarem aqui a defender o reino da Fantasia, das ameaças malignas! Querem ficar ou voltar para o vosso lar, junto dos vossos, para o VOSSO mundo?”

Hugo e Pedro ficaram perplexos…

Não estavam a espera de tal coisa. Dois miúdos, de origens pobres, os pais eram camponeses, trabalhavam a terra para dela colherem legumes, futres, leite, cereais, para vender e para consumo caseiro, de repente, estavam ali, com a hipótese de viver num mundo que tanto tem de fantástico e especial como de fantasmagórico e negro! Pensaram, debateram um com o outro, balançaram prós e contras e por fim, passado 3 dias de pura reflexão, chegaram a uma certeza.

“Fada! Já temos uma resposta para lhe dar”, afirmou Hugo.

“Qual?” Respondeu a Fada!

“Queremos ficar, mas com um pedido apenas…” falou Pedro.

“Pedido? Estranho, mas sim podem pedir” Falou a Fada, fitando os 2 petizes.

“Queremos aprender magia! Aprender a fazer alquimia, feitiços, curar doenças de pessoas, todas essas coisas que os magos que conhecemos fazem”

A Fada Branca, chorava de orgulho, aqueles dois meninos que ela tinha salvado e aconselhado queriam entrar no mundo da tão terna e magnífica magia!  Aceitou e ensinou-lhe tudo o que sabia. 
Foram anos e anos de aprendizagem, experiências e troca de conhecimentos. Quando se vive um sonho, os olhos brilham com outra intensidade, sorriso rasga de ponta a ponta, tudo parece mais garrido, mais forte, firme, real e puro.

Hoje, estes 2 meninos, são homens, vividos, de 50 anos cada, mágicos de renome. Combatem os demónios que tendem a petrificar a harmonia que impera no reino. Açambarcados pela eloquência quase poética de cada luta, de cada guerra, de cada momento mágico que sai da ponta duma varinha de condão.

Qual será o seu futuro? Como pobre e simples contador de histórias, não posso precisar, mas que o sonho continuará a afoga-los neste tsunami de paixão por aquilo que acreditam, isso caros leitores, não tenham dúvidas.

A todos uma boa noite,

Durma bem,

Diretamente,

Do Mundo da Fantasia…


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Caminhos perdidos

6 Da manha num inverno bafejado por um frio siberiano,
Os lagos de Kiev totalmente cobertos por uma película grossa de gelo
Conferiam uma roupagem de mistério e galanteio a quem lá passeava.
Isis, uma jovem ruiva, de olhos acastanhados e grandes como montras de romantismo,
De um corpo magro, nada curvilíneo mas de uma simetria inquietante,
Uma pele apimentada por um sem número de sardas que lhe conferia uma tez
Desigual a todas as outras. Isis tinha 18 anos, filha de pai ucraniano e natural de Kiev
(Capital da Ucrânia) e de mãe portuguesa, natural de Évora.
Seus pais conheceram-se quando o seu pai, chamado Mikhail, arriscou emigrar
Para Portugal, em busca de um futuro melhor e para fugir à miséria brutal
Que assolava o país de leste por aqueles anos.
Mikhail arranjou trabalho num supermercado em Évora, o supermercado
Era o Lidl, situado no centro da cidade e com grande afluência a nível de clientela.
Mikhail, sempre prestável e trabalhador foi conquistando os responsáveis e
Colegas de trabalho com o seu empenho, acabando por ficar de pedra e cal,
Garantindo um trabalho, um salário (que guardava para voltar um dia para a sua pátria natal)
E uma estabilidade que há muito não tinha.
Um certo dia, uma castiça rapariga deu entrada para trabalhar como operadora de caixa,
No supermercado, chama-se Sónia, de um cabelo ruivo apanhado por um totó,

Uns penetrantes e viciantes olhos azul-mar, tão profundos que faziam suspirar até
As pedras da calçada tal era o fascínio que insinuava com cada olhar que disparava como
Flechas de amor. Um corpo muito bem tratado, com uma pele sedosa como a mais fina
Seda teada por uma costureira de perícia inegável.
Dona de um sorriso belo e luminoso como o sol ao meio-dia, contagiante
E duma pureza de primeira água.
Sónia foi uma lufada de ar fresco na “vida” da Lidl,
Simpática, eficiente, solidária, Sónia reunia todas as condições
Para ficar longos anos a desempenhar esta função.
Mikhail logo se enfeitiçou pelos encantos tamanhos
Da jovem Eborense. Logo meteu conversa,
Um café aqui, um jantar ali, um cinema e um namoro
Fervorosamente assumido.
Namoram 5 anos, já viviam juntos num apartamento
Perto do posto de trabalho.

Quando já tinham um pé-de-meia sólido
E já com uma maquia interessante,
Mikhail propôs à sua amada a possibilidade
De ir com ele para a Ucrânia, leste da Europa.
Depois de muito pensar, repensar, ponderar
Por tudo na balança da consciência, passados alguns dias
Sónia decidiu ir com Mikhail. Uma aventura com tanto
De risco como de paixão terna e mágica.
Instalaram-se em Kiev, terra natal de Mikhail,
Com o dinheiro que traziam de Portugal, montaram
Uma livraria, para fornecer livros e material de escola
Como canetas, cadernos, marcadores, capas, manuais escolares
Entre tantos produtos no espólio escolar atual.
O negócio foi de vento em poupa, a livraria ganhou clientela,
Fama, movimento e o dinheiro entrava com muita frequência.
Depois de 2 anos de união no país que outrora fora da Ex União Soviética,
Nasceu Isis, fruto de muito amor e desejo de serem pais.
Isis foi subindo no ensino, primária, depois ensino básico, secundário
Até completar o secundário sempre com boas notas, numa regularidade
Tipicamente implícita no modo de estudo dos países de leste.
Numa manha, as 6 da manha, um frio brutal, menos 6 graus na rua,
 Dentro de casa a temperatura chegava aos 10 graus devido ao isolamento

E a meia-dúzia de aquecedores ligados logo mal o sol raiasse no céu ucraniano.
Isis acorda lá para as 8 da manha, sempre com o sorriso que herdou da sua mãe,
Pressentindo que algo estava para acontecer numa premonição que lhe acossava a alma
Como uma cócega do destino na banal vida de um simples mortal.
Mikhail, juntamente com Sónia, tinham preparado uma surpresa para a sua querida
Filha, uma viagem a três até Portugal, nomeadamente até Évora, cidade que por aquilo
Que os pais diziam, criou um entusiasmo tal no coração da jovem que a notícia da visita caiu
Como um mimo para quando estamos necessitados.
Isis pulava de alegria e mais pulou quando visitou as ruínas romanas
Monumento quase “obrigatório” de visitar aquando de estadia nesta cidade
Alentejana.

Os seus pais, aproveitaram o facto de estarem lá, para visitarem amigos que tinham ficado
Do local de trabalho, dos cafés que frequentavam entre outros hábitos.
Ao visitarem a casa de um casal amigo que trabalhava no Lidl na mesma altura que Mikhail e
Sónia,
Aproveitaram para apresentar Isis ao casal amigo, que ainda não a conheciam,
Mas este casal também já tinha um filho, O Martim, um miúdo de 18 anos também,
Olhos verdes, musculada, cabelo castanho, cara de reguila e muito, muito talento para a arte
Do engate.
Duas conversas com Isis e os iscos estavam lançados no coração tenro e sedento de paixão da jovem.
Troca de números de telemóvel, endereço de Facebook para comunicarem quando esta
Estivesse na gélida Ucrânia.

A visita a Portugal teve o seu término, Isis voltou para a sua terra, mas sempre com o bichinho
Chamado Martim a corroer-lhe o cérebro com poemas, longas conversas sobre musica,
Porque Isis derivado de ter mãe portuguesa dominava também a língua de Camões.
Falavam sobre música, cinema, amor, literatura, sonhos, metas pessoais, tudo
O que equaciona-se o seu futuro a médio-longo prazo.
Andaram nisto durante 6 meses/1 ano, até morada Isis já tinha dado a Martim para uma
Futura visita a sua casa.
Martim preparou tudo com o aval dos seus pais, para fazer uma surpresa a Isis,
Juntou dinheiro com o part-time que arranjou nas férias, a servir num café da zona.
No dia do Voo, foi de comboio até Lisboa, voando depois para a Ucrânia, ao pisar solo
Ucraniano, em Kiev, ligou logo a Isis dizendo que estava no aeroporto, que ironicamente
Ficava a 1 quilómetro de casa da jovem.
Isis gelou!

Nunca pensou que Martim fosse capaz de fazer algo desta magnitude só para a ver.
Apressou-se a ir busca-lo ao aeroporto, nunca os seus passos tinha tido um ritmo
Tão elevado.
Ao ver Martim sentado num muro, atolado em bagagem e um cansaço evidente
Desenhado na pálida face do jovem, abraçou-o com todo o carinho
Que durante anos tinha absorvido dos seus pais.
Chamou o táxi que a deixara lá para os levar para casa
Ao chegarem a casa, Martim foi muito recebido por Mikhail e Sónia.
Ficou duas semanas.

Mas, uma amizade já de si intensa, transformou-se num amor inevitável

E arrepiante e estupidamente intenso.
Tão intenso que no fim das duas semanas, Martim mudou de ideias
E já não tinha como meta voltar a Évora.
A ligação a Isis prendia-o como uma algema forjada numa fornalha do amor.
Mikhail e Sónia, assustados, ligaram para os pais de Martim, explicando a situação
E tentando apurar o que se iria fazer para gerir da melhor maneira esta paixão
Arrebatadora emergida dos confins do sentimento humano.

Os pais de Martim, como tinha uma abastada vida para poder suportar esta loucura
Do filho, mandaram dinheiro para ajudar à sua estadia na capital ucraniana.
Ficou mais duas semanas, um mês, 6 meses, 1 ano.
Já sem depender dos pais, arranjou trabalho na livraria dos “sogros”
Enquanto Isis cursava comunicação social numa faculdade situada mesmo
No coração da cidade.

Mas as coisas começaram a descarrilar para Martim,
Ao dominar a língua, juntou-se a um grupo de rapazes
Que tomavam uma vida mais de saídas a noite,
Bebedeiras e drogas.

De início era só uma coisa soft,
Mas no deslindar da situação na sua total forma
Isis ficou chocada.
Martim já roubara duas vezes a livraria em quantias
Avultadas para suportar a sua vida leviana.
Mikhail pô-lo fora da livraria e de casa.
Passaram 6 meses sem Mikhail, Sónia, Isis e até os pais
De Martim sem novidades do jovem que se revelara uma
Tremenda desilusão para todos.
Isis entretanto estava prestes a terminar a formação,
Estando agora no mestrado em jornalismo criminal,

Na mesma faculdade e ao passar por uma rua,
Escura, estreita e onde corria um bafio a vinho e podre
Que lhe conferia um aspecto medonho, mas que Isis tinha que atravessar
Para chegar a escola, Isis viu um corpo inerte no chão, espumando da boca
Com a roupa rota, calçadas tingidas com pingas de sangue, 
Ao ver o cabelo castanho e os seus olhos verdes, apercebeu-se num arrepio

Quase sádico que se tratava de Martin.
Tentou chamá-lo, acordá-lo, sacar dele algum sinal vital mas em vão!
Isis ao virá-lo, reparou num saco com pó branco, (cocaína)
E um papel sem linhas com um poema escrito por si em jeito de despedida.
Isis limpou as lágrimas, que lhe corriam de forma sagaz pela cara,
E tentou ler o poema que dizia:

“ Ao meu amor que tanto amo
 Estes versos eu declamo
Com carinho e muita culpa
De toda esta cúpula
Sangrenta e viciante
Alucinante e estonteante.
Se quando leres isto, já me
Tiver ido,
Recorda aquilo que para ti fui,
E não aquilo que poderia ter sido.”

Isis chamou a ambulância,
Chamou os pais,
Para serem informados da desgraça
E informaram os pais de Martim,
Que logo se descolaram de avião para a Ucrânia
Ainda chocados, atordoados pela notícia
Como se tivessem atingidos por um dardo
Cheio de uma notícia escabrosa.
No hospital quando foi declarado o óbito
Um homem branco, anorético quase, calvo,
De roupa suja com tinta e uma camisola caiada
Com cal, de brincos dourados, aspeto ideal para um
Toxicodepente.
Este levava uma foto de Isis e ao reconhecer a bela
Jovem abordou-a com uma diminuta simpatia
Apenas para lhe dizer:
“Isis?”
Ao que a jovem respondeu:
“Sim, sou eu, quem é o senhor?”

Ao que ripostou o homem:

“Chamo-me Atem, sou moldavo,
E nos últimos 4 meses, fui companheiro
De muitas asneiras, drogas, roubos, tráfico
Do Martim. Ele já sofria do fígado há muito
Tempo e nos últimos dias, pediu-me para te dizer
Que te amava e dar-te isto”…
“Isto” era um punhado de folhas sarrabiscadas pela
Caligrafia torta e talentosa do jovem alentejano.
Atem pediu a Isis, para passar isto para computador
E publicar estes trechos, cumprindo o derradeiro
Desejo de Martim.
I
sis balbuciando palavras imbuídas numa emoção
Que trespassava o coração e só se soltava em forma
De um choro copioso que exteriorizava tal dor.
Passados 2 meses, os textos foram lançados em forma de pequeno diário
Isis orgulhosa do seu menino que mesmo depois de perder a vida nas ruelas
Visceral da droga e do crime ainda foi capaz de se entregar de corpo e alma
Aos seus 2 amores: A poesia e Isis.
O livro foi comercializado na livraria de Mikhail sendo um sucesso
E uma lição de vida para muitos que o leram.
Isis, era uma jornalista de prestígio que trabalhava numa cadeia
De televisão ucraniana com sede na capital.
Mas com sucesso e fama, nunca esqueceu a sua
Grande paixão, o seu menino, Martim.

O amor ultrapassa todas as barreiras, físicas, mentais
E sociais. Mesmo distantes pela barragem da droga,
A poesia juntou-os novamente.
Martim e Isis, o amor que vivia na paixão

Louca de um poema!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Amor é um lugar estranho.






"Olá Luísa"

Foi a frase que consegui expelir das minhas cordas vocais, quando te conheci, naquele fim de verão em 2001, no meu oitavo ano, na Escola Secundária Padre João Ferreira. Eras linda. Com essa pele suave e branca como neve, mas com aquele jeito de menina malandra, com um sorriso maroto, um olhar que fixa, um cabelo castanho-escuro, fino como linho e uma conversa meiga, calma, que fluía ao sabor duma brisa veraneante, e que seduzia quem a ouvia. Lembro-me que conversávamos muito. Eramos muito próximos. Nos intervalos falava-mos de vários assuntos. Mergulhados naquela inocência que nos atraía sem que nos apercebesse-mos. Cada palavra tua encaixava de forma perfeita nesse teu ritmo eloquente de as interpretar.

“Rui, gosto muito de conversar contigo, de estar contigo”

“Eu também Luísa. És uma miúda muito bonita, simpática e divertida”.

Fomos crescendo. A ligação foi passando por altos e baixos, a magia foi-se diluindo em algo estável, maduro, com laços fortificados pelo que íamos passando. Foi assim até aos 18. Aí chegamos aquela fronteira. Faculdade, dois destinos diferentes, ela para Aveiro, cidade à beira-mar, bafejava pela brisa marítima que ergue os desejos mais profanos. Ele para Lisboa, cidade capital, cosmopolita, agitação, confusão, espectáculo, projectos, conceitos diferentes, quilómetros que nos separavam.

“ Podemos estar um com outro ao fim-de semana. E de vez em quando ou eu vou a Lisboa ou tu vens a Aveiro”

“Ok fica combinado amor”

Mas a inquietude da líbido humana desvirtua tudo o que parece imutável. Muda-se de cenário, de contexto, conhecesse algo que para nós era segredo, um segredo guardado na casa de Baco, com um bom vinho, raparigas e rapazes diferentes daquele mundo em que estávamos desde embriões inseridos. Tentamos aguentar o namoro até ao máximo, com crises, choros, promessas feitas em vão, num vão de escada qualquer, repleto de lágrimas, 2 ou 3 gramas de álcool em cada litro fervente de sangue, mentiras construídas para tentar aguentar este prédio devoluto que era o nosso amor.

Decidimos deixar de mentir a nós mesmos. Cada um para seu lado. Centenas de quilómetros de distância, criamos raízes em Aveiro e em Lisboa, redigimos cada um a sua história, num novo caderno branco, de linhas agora firmes e rectilíneas, onde o amor soava a verdade, com uma nova roupagem, uma nova forma de soar, que nos fazia suar, sorrir, viajar e viver, porque era isso que nós queríamos, era viver.

E se nos voltaremos a ver? Não sei. Minha gente, não sei. Se um dia nos cruzarmos, nos transbordo, e se os nossos olhares se tocassem, será que a paixão que parece estar perdida nas efemérides do destino, se acenderia de volta e nos traria novamente para perto um do outro? Também não sei. Não tento adivinhar os golpes de algo tão profundo e inesperado como o destino.
Um dia. Talvez um dia. Possamos contar aos nossos filhos como nos reencontramos um dia.