quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A Sereia de Moscovo





Numa noite chuvosa, onde as gotas tombavam no parapeito como balas
Eu, de robe e pantufas, aquecido por um chá de Tília feito pela minha empregada
Vou navegando com a minha caneta num papel vazio de ideias e conceitos
O aquecedor marca 20 graus centígrados, mas lá fora o frio esvazia as almas
Que a preceito vão canalizando as frustrações na mente de gente vaga
Ouço trechos de Almada Negreiros evocados pela voz sábia de Mário Viegas
Que descreve uma população que passados anos e anos permanecem às cegas
A chuva intensa e supra citada, cria um ribeirinho na rua que desagua nos pés
Duma linda jovem, de tez branca, vestida com uns jeans, uma camisola de gola alta
Cabelo solto, afogado na água que decai dos céus intempestivos, bota de cano alto
Que lhe proporcionavam um andar altivo e demonstrativo duma classe ímpar
Da minha janela, 4º andar direito dum apartamento dúplex na baixa de Moscovo,
Analiso cada movimento teu, como se cada passada se torna-se num fotograma
Mentalmente montado e elaborado por mim, como se de um cineasta se tratasse
Apressas o passo, apressada para chegares a lugar desconhecido, que só tu nesse
“Eu” tão vincado sabes, eu? Compete num ar derrotista por te ter perdido na imensidão
Da praça Vermelha, tentar transportar-te para este texto apaixonadamente libertino
Em palavras, sendo que tal personagem carece de vernáculo próprio e digno para total
E leal descrição de um ser tão belo, que, deambulava por entre o montão de gente
Na rua, como se de um holograma se tratasse.
Meu coração chorava lágrimas de perda, claustrofóbico da tamanha prisão
Afectiva que o estrangulava até calar a sua revolta pela tua ida para parte incerta.
A aparelhagem queima os últimos cartuchos das citações do irreverente Viegas,
Todo eu sou transe, acendo um incenso, acabo o texto extenso, convenço-me
Que talvez, nunca mais volte a ver aquela escultura humana, venço-me pelo
Cansaço. Mudo o álbum do leitor, para ouvir outro senhor, sem ser fadista ou tenor
Canta como poucos a essência do amor e da liberdade, Zeca Afonso, mago das metáforas,
Sem Diáspora, chamo a minha empregada, companheira de 30 anos, para me trazer
Um pouco de mel para adocicar a minha noite, que deixou o meu vazio todo a nu,
De repente! Vejo uma sombra na janela, a passar por entre o magote de pessoas que
Atravessam a avenida, decidida, fugaz, eloquente, atraente, a tónica mente persuasiva
“Serás tu? Arrebatadora visão que me fez perder de vista este de mar de sentimentos que
Me revolve interiormente?”
Não consigo descortinar, vislumbrar se o meu esgar de curiosidade súbita se deve a ti,
Clandestina bonita e bem-feita que ousaste penetrar no meu goto, sem autorização prévia!
Fecho a janela e renuncio à procura incessante do teu “estar”…
Envolvo-me nos meus lençóis e dialogo um texto quase erótico com a minha
Pérfida almofada, que por estas horas é só uma suja amante, porque a principal,
A única, a tal! Essa está lá fora, poderosa como o sol, branca como a lua,
Em quarto minguante!

Sem comentários:

Enviar um comentário