Numa noite chuvosa, onde as gotas tombavam no parapeito como
balas
Eu, de robe e pantufas, aquecido por um chá de Tília feito
pela minha empregada
Vou navegando com a minha caneta num papel vazio de ideias e
conceitos
O aquecedor marca 20 graus centígrados, mas lá fora o frio
esvazia as almas
Que a preceito vão canalizando as frustrações na mente de
gente vaga
Ouço trechos de Almada Negreiros evocados pela voz sábia de
Mário Viegas
Que descreve uma população que passados anos e anos
permanecem às cegas
A chuva intensa e supra citada, cria um ribeirinho na rua que
desagua nos pés
Duma linda jovem, de tez branca, vestida com uns jeans, uma
camisola de gola alta
Cabelo solto, afogado na água que decai dos céus
intempestivos, bota de cano alto
Que lhe proporcionavam um andar altivo e demonstrativo duma
classe ímpar
Da minha janela, 4º andar direito dum apartamento dúplex na
baixa de Moscovo,
Analiso cada movimento teu, como se cada passada se torna-se
num fotograma
Mentalmente montado e elaborado por mim, como se de um
cineasta se tratasse
Apressas o passo, apressada para chegares a lugar
desconhecido, que só tu nesse
“Eu” tão vincado sabes, eu? Compete num ar derrotista por te
ter perdido na imensidão
Da praça Vermelha, tentar transportar-te para este texto
apaixonadamente libertino
Em palavras, sendo que tal personagem carece de vernáculo
próprio e digno para total
E leal descrição de um ser tão belo, que, deambulava por
entre o montão de gente
Na rua, como se de um holograma se tratasse.
Meu coração chorava lágrimas de perda, claustrofóbico da
tamanha prisão
Afectiva que o estrangulava até calar a sua revolta pela tua
ida para parte incerta.
A aparelhagem queima os últimos cartuchos das citações do
irreverente Viegas,
Todo eu sou transe, acendo um incenso, acabo o texto
extenso, convenço-me
Que talvez, nunca mais volte a ver aquela escultura humana, venço-me
pelo
Cansaço. Mudo o álbum do leitor, para ouvir outro senhor,
sem ser fadista ou tenor
Canta como poucos a essência do amor e da liberdade, Zeca
Afonso, mago das metáforas,
Sem Diáspora, chamo a minha empregada, companheira de 30
anos, para me trazer
Um pouco de mel para adocicar a minha noite, que deixou o
meu vazio todo a nu,
De repente! Vejo uma sombra na janela, a passar por entre o
magote de pessoas que
Atravessam a avenida, decidida, fugaz, eloquente, atraente, a tónica mente persuasiva
“Serás tu? Arrebatadora visão que me fez perder de vista
este de mar de sentimentos que
Me revolve interiormente?”
Não consigo descortinar, vislumbrar se o meu esgar de
curiosidade súbita se deve a ti,
Clandestina bonita e bem-feita que ousaste penetrar no meu
goto, sem autorização prévia!
Fecho a janela e renuncio à procura incessante do teu
“estar”…
Envolvo-me nos meus lençóis e dialogo um texto quase erótico
com a minha
Pérfida almofada, que por estas horas é só uma suja amante,
porque a principal,
A única, a tal! Essa está lá fora, poderosa como o sol,
branca como a lua,
Em quarto minguante!
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